‘ECA Digital’ ganhou fôlego no Congresso com Felca

Projeto do senador Alessandro Vieira é aprovado em comissão na Câmara e pode ir ao plenário da Casa já nesta semana

‘ECA Digital’ ganhou fôlego no Congresso com Felca

O Congresso Nacional discute uma proposta que pode mudar profundamente a forma como redes sociais, aplicativos e plataformas digitais tratam o público infantil. Trata-se do projeto de lei 2.628/2022, conhecido como ECA Digital, que estabelece normas específicas para proteger crianças e adolescentes no ambiente online. O apelido dado à proposição faz referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 A proposta nasceu no Senado, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), e já foi aprovada naquela Casa. Agora, está sob relatoria do deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI) na Câmara. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que vai propor aos líderes a votação do projeto em regime de urgência, o que pode acelerar sua análise no plenário já na próxima semana. "É uma pauta inadiável e a Câmara vai dar uma resposta à altura", afirmou Hugo.

Uma das novidades da proposta é a criação de uma Autoridade Nacional de Fiscalização, inspirada na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Esse novo órgão fiscalizará a atuação das plataformas, podendo aplicar multas de até 10% do faturamento ou R$ 50 milhões por infração cometida por essas empresas.

 O tema ganhou destaque depois das denúncias do influenciador Felca, que revelou a circulação de conteúdos de sexualização infantil disfarçados de entretenimento em plataformas digitais. O episódio gerou forte comoção, mobilizou parlamentares com a apresentação de dezenas de projetos e levou até à coleta de assinaturas para a criação de uma CPI no Senado. Principal alvo da denúncia de Felca, o influenciador Hytalo Santos foi preso na sexta-feira (15) sob a acusação de exploração sexual infantil e tráfico humano. Representantes das plataformas, além do próprio autor das denúncias, foram convidados a tratar do assunto no Senado.

 Veja o que prevê o ECA Digital

 

1. Quem deve cumprir a lei

 As regras se aplicam a serviços usados ou acessíveis a crianças e adolescentes, incluindo redes sociais, lojas de aplicativos e sistemas operacionais. Apenas a infraestrutura essencial da internet, como protocolos de conexão, fica de fora.

 2. Verificação de idade e supervisão parental

 Lojas de apps e sistemas operacionais terão de aferir a idade do usuário e oferecer ferramentas de supervisão parental. Adolescentes só poderão baixar determinados aplicativos com consentimento informado dos responsáveis.

 3. Redes sociais

 Contas de menores de até 16 anos deverão ser vinculadas a um responsável. Plataformas terão de informar claramente quando o serviço não for apropriado para crianças.

 4. Publicidade

 Será proibida a publicidade comportamental direcionada a menores, bem como o uso de técnicas de perfilamento emocional. Campanhas educativas e de interesse público permanecem liberadas.

 5. Conteúdos nocivos e saúde mental

 Pornografia passa a integrar a lista de conteúdos inadequados. O termo "vício" é substituído por "uso excessivo", reforçando a ideia de prevenção e design responsável.

 6. Jogos online e loot boxes

 Jogos deverão divulgar as chances reais de ganho em caixas de recompensa. Fica proibida a conversão de itens virtuais em dinheiro ou em vantagens desproporcionais pagas ("pay to win"). Chats e recursos de voz terão de contar com moderação reforçada.

 7. Transparência e fiscalização

 Plataformas com mais de 1 milhão de usuários menores no Brasil terão de publicar relatórios semestrais sobre denúncias e medidas de proteção, além de abrir dados para pesquisas acadêmicas e jornalísticas, sempre com garantias de privacidade.

 8. Sanções

 Infrações poderão gerar advertências ou multas de até 10% do faturamento nacional do grupo econômico. No caso de empresas sem faturamento no Brasil, a multa pode chegar a R$ 50 milhões por infração. Os recursos irão para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente.

 Na Câmara, o deputado Jadyel Alencar fez ajustes importantes no texto:

 Ampliou o critério de alcance, usando "acesso provável", o que fecha brechas para plataformas.

Incluiu lojas de aplicativos e sistemas operacionais entre os responsáveis pela verificação de idade.

Substituiu "controle parental" por "supervisão parental", reforçando o papel da família.

Centralizou a verificação etária nos sistemas, reduzindo riscos de vazamento de dados.

Limitou a proibição de publicidade a conteúdos comerciais, preservando campanhas educativas.

Determinou que contas de menores de 16 anos sejam vinculadas a responsáveis.

Alterou "vício" para "uso excessivo", enfatizando a prevenção.

A criação da autoridade nacional de fiscalização

 

Um dos pontos mais inovadores é a criação de uma Autoridade Nacional de Fiscalização, inspirada na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

 

Esse novo órgão será responsável por:

 exigir relatórios periódicos das plataformas;

aplicar multas de até 10% do faturamento ou R$ 50 milhões por infração;

orientar famílias e empresas sobre boas práticas;

mediar denúncias feitas por usuários e entidades da sociedade civil;

atuar em cooperação com o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Defensoria Pública da União e os Conselhos Tutelares.

No parecer, Jadyel Alencar justifica sua posição. "Não basta criar obrigações para as plataformas. É preciso um órgão com autonomia técnica e poder de sancionar para que os direitos das crianças no ambiente digital sejam efetivamente protegidos."

 

O que muda na prática?

 

Famílias

Terão ferramentas mais claras e acessíveis para acompanhar o que os filhos acessam

Adolescentes só poderão instalar determinados aplicativos com consentimento informado.

Haverá mais transparência sobre riscos em jogos e redes sociais.

Plataformas e lojas digitais

Precisarão verificar a idade dos usuários e bloquear acessos inadequados.

Deixarão de direcionar anúncios comportamentais a menores.

Terão de criar sistemas mais robustos de moderação em chats e transmissões.

Poderão ser multadas em valores milionários em caso de descumprimento.

Governo e sociedade

 Ganham um órgão específico para monitorar e aplicar sanções.

Receberão relatórios semestrais sobre riscos e violações digitais.

Terão recursos adicionais para financiar políticas públicas via Fundo da Criança.

Vídeo viral e acusações graves

 

No vídeo de cerca de 50 minutos publicado na semana passada, o youtuber Felca apresenta casos que, segundo ele, mostram como pais e produtores de conteúdo colocam crianças e adolescentes em situações constrangedoras ou sexualizadas para atrair audiência e monetização nas plataformas.

O influenciador também aponta a responsabilidade das empresas de tecnologia, acusando-as de ampliar o alcance desse tipo de material por meio de algoritmos que, em vez de restringir, dão mais visibilidade aos vídeos. Essa dinâmica, de acordo com o relato, favorece a atuação de predadores sexuais no ambiente digital.

 As denúncias levaram à apresentação de mais de 30 projetos de lei sobre a chamada "adultização de crianças" na Câmara. Um grupo de trabalho deve analisar as proposições, segundo o presidente da Casa. As discussões devem continuar mesmo, com a eventual aprovação da proposta do ECA Digital.